STJ discute se tipo de droga pode aumentar pena, mesmo em pequena quantidade

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A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento do Tema Repetitivo 1.262, que analisa a legalidade do aumento da pena com base apenas na natureza da droga apreendida, ainda que em quantidade muito pequena. A análise ocorre sob o rito dos repetitivos, o que significa que a decisão servirá de referência para casos semelhantes em todo o país.

O debate gira em torno da aplicação do artigo 42 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06), que orienta a dosimetria da pena conforme a natureza e a quantidade do entorpecente. O ponto central é: agravar a pena com base apenas na natureza da substância, desconsiderando sua quantidade, seria ou não desproporcional?

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, apresentou voto considerando inadequado majorar a pena apenas com base na periculosidade da droga, sem avaliar o volume apreendido. Para ele, isso pode levar a punições excessivas e desiguais, além de representar uma dupla valoração negativa, vedada pela Constituição. O julgamento foi interrompido após pedido de vista do ministro Messod Azulay.


Casos analisados

Dois processos representativos foram levados ao julgamento:

  • REsp 2.003.735: o réu foi flagrado com 1g de maconha e 5g de crack.
  • REsp 2.004.455: envolvia 1g de cocaína, 3g de crack e 3g de maconha.

Mesmo diante de quantidades pequenas, os tribunais locais aumentaram a pena devido à natureza das drogas (como crack e cocaína), consideradas mais lesivas. As condenações impediram o regime inicial mais brando e a conversão da pena em medidas alternativas. A Defensoria Pública recorreu ao STJ, argumentando que a decisão fere os princípios da proporcionalidade, individualização da pena e razoabilidade.


Sustentações orais e manifestações

A Defensoria Pública defendeu que o agravamento da pena com base exclusivamente na natureza da substância, quando a quantidade for mínima, contraria a jurisprudência do STJ. Para a instituição, a interpretação correta do art. 42 exige que natureza e quantidade sejam avaliadas em conjunto.

O defensor público de Sergipe, como amicus curiae, acrescentou que estudos do IPEA e do Sistema Penitenciário apontam que 70% dos condenados por tráfico portavam até 24g de maconha, revelando o impacto da repressão sobre pequenos traficantes. Sugeriu a criação de uma tese vinculante para impedir o aumento da pena só com base na natureza da droga, nos casos de ínfima quantidade.


Posição do Ministério Público

Em contraponto, representantes do Ministério Público defenderam que a natureza da droga, por si só, pode justificar o aumento da pena, mesmo quando a quantidade é pequena. O procurador Rodrigo Chemim (MP/PR) afirmou que substâncias como cocaína, crack, heroína e metanfetamina têm alto poder de destruição social e devem ser tratadas com mais rigor na dosimetria penal.

André Estevão Ubaldino (MP/MG) reforçou que tratar todas as drogas de forma igual ignora seus diferentes potenciais de dano e desrespeita o princípio da proporcionalidade.

Já a subprocuradora-geral Raquel Dodge defendeu uma abordagem equilibrada, que leve em conta os efeitos sociais do tráfico, mas também o direito à individualização da pena. Segundo ela, a punição deve comunicar uma resposta clara à sociedade e considerar a estrutura do tráfico, baseada na revenda de pequenas porções por operadores de baixo escalão.


Voto do relator

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que o objetivo da discussão não é revisar a fronteira entre uso e tráfico, mas verificar se é legítimo agravar a pena-base apenas pela natureza da droga. Para ele, a exasperação da pena nessas situações resulta em desproporcionalidade.

Em sua avaliação, mesmo drogas de alta nocividade — como o crack — não justificam, sozinhas, um aumento da pena se a quantidade for insignificante. Ressaltou ainda a realidade do sistema prisional brasileiro, com mais de 700 mil presos, sendo 30% por tráfico, o que exige decisões penais mais equilibradas, proporcionais e voltadas à ressocialização.


Tese proposta pelo relator

“Na análise das vetoriais da natureza e da quantidade da substância entorpecente previstas no artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, configura-se desproporcional a majoração da pena-base quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza.”

A tese busca consolidar a jurisprudência da Corte e orientar julgamentos futuros, garantindo penas mais ajustadas à realidade de cada caso.


Resultado parcial

Nos casos concretos:

  • REsp 2.004.455: o ministro votou por restabelecer a sentença de 1 ano e 8 meses em regime aberto, com penas alternativas.
  • REsp 2.003.735: manteve-se a pena de 5 anos e 7 meses, mas foi afastado o aumento baseado apenas na natureza da droga.

O julgamento foi suspenso após pedido de vista e deve ser retomado em breve pela 3ª Seção do STJ.

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