Reconhecimento pessoal – Agora é obrigatória a observância do procedimento do art. 226, CPP

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Criminalistas… Podemos comemorar!

Foi publicado no dia 30/06 o acórdão fixando as teses a respeito da obrigatória observância do procedimento de reconhecimento pessoal – art. 226, CPP. 

Confessamos que (no limitado conhecimento da advogada que vos escreve) sempre pairava-nos a seguinte pergunta:

“Por qual motivo é necessário ao STJ fixar um tema em sede de repetitivo para que SIMPLESMENTE os órgãos persecutórios cumpram a lei?”

Sob o nosso raciocínio meramente acadêmico, os princípios da:

✅ legalidade, 

✅devido processo legal, 

✅ ampla defesa, 

✅ contraditório, 

✅ inadmissibilidade das provas ilícitas

… seriam mais do que suficientes para fazer valer o ato legislativo que culminou com a redação do art. 226, CPP.

Resolução CNJ 484/2022

Como se não bastasse a CLAREZA do dispositivo legal, o poder regulamentar do próprio CNJ emitiu a Resolução 484/2022, esmiuçando o procedimento a ser observado para a validade/legalidade/licitude/constitucionalidade do reconhecimento pessoal. 

A norma regulamentar foi carinhosamente transformada no “Manual de Procedimentos de Reconhecimentos de Pessoas”, mastigando cada etapa do procedimento, tudo visando a legalidade deste meio de obtenção de prova. 

O fato é que, se houve a necessidade do STJ dispor sobre o tema em sede de repetitivos, certamente todas as normas (constitucionais, legais e regulamentares) estavam gerando inúmeras controvérsias e incontáveis descumprimentos. 

Daí porque devemos, SIM, comemorar a publicação desse acórdão. 

Passemos, então, à sua análise NA ÍNTEGRA:

Entendimento antes e depois de outubro de 2020 – HC 598.886/SC 

Até outubro de 2020, o entendimento da Corte Superior quanto ao previsto no art. 226, do CPP, configurava 

“uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei”. (AgRg no AREsp 1.054.280/PE). 

A mudança de percurso ocorreu no julgamento do HC 598.886/SC, quando a 6a Turma, sob a relatoria do Min. Rogério Schietti, propôs uma nova interpretação ao art. 226:

“1.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 

1.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 

1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento”.

A “nova” interpretação passou a ser acompanhada pela 5a Turma a partir do julgamento do HC 652.284/SC (rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca). 

As seguintes premissas foram adotadas pela Corte Superior:

  1. o reconhecimento efetuado pela vítima, em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito, diante da falibilidade da memória humana, sujeita aos efeitos do esquecimento, das emoções e das sugestões vindas de outras pessoas que podem gerar as “falsas memórias”;
  2. outros fatores influenciáveis: o tempo de duração do evento criminoso; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; visibilidade do local no momento dos fatos e outras questões ambientais; estereótipos culturais.

Potencial contaminação de futuros reconhecimentos e prova irrepetível 

A partir do julgamento do HC 712.781/RJ (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 22/3/2022), a 6a Turma fez mais um avanço: 

➡️ Passou a entender que a prova decorrente do reconhecimento à margem do art. 226 não seria apta para lastrear nenhuma decisão, ainda que de menor standard probatório (prisão preventiva, recebimento de denúncia ou pronúncia).

Esse entendimento alinhou-se ao julgado proferido pelo Pretório Excelso, no julgamento do RHC 206.846/SP (rel. Min. Gilmar Mendes, j. 22/2/2022). 

Mantendo esse raciocínio, a 5a Turma do STJ, em novembro de 2024, evidenciou que 

“A certeza da vítima no reconhecimento e a firmeza de seu testemunho não constituem provas independentes suficientes para justificar a pronúncia, já que apenas o reconhecimento viciado é que vincula o réu aos fatos descritos na denúncia”. (AgRg no AREsp 2.721.123/GO, rel. Min. Ribeiro Dantas, j.26/11/2024)

Convergindo com essa posição, o voto condutor no HC 712.781/RJ definiu que o reconhecimento de pessoas é prova “cognitivamente irrepetível”. 

Isso se explica diante da contaminação potencial que o ato anterior (inválido desde o início) exerce sobre os subsequentes, mesmo que esses observem as balizas do art. 226 do CPP. 

A cautela mostra-se necessária diante dos inúmeros estudos mostrando que, após um reconhecimento, a testemunha pode incorporar a imagem do suspeito em sua memória como sendo a do autor – mesmo que estivesse incerta antes –, fenômeno conhecido como “efeito do reforço da confiança”. 

Assim, se a primeira identificação foi errônea ou conduzida de forma inadequada, todas as subsequentes estarão comprometidas. 

Via de consequência, eventual “ratificação” do reconhecimento  – fotográfico ou pessoal –  falho não tem o condão de convalidar os vícios anteriores (AgRg no HC n. 822.696/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas, j.18/9/2023; AgRg no HC n. 819.550/SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 4/11/2024).

Teses fixadas

Diante dessa evolução interpretativa, alterando sobremaneira os requisitos de validade deste meio de obtenção prova, necessário se fez a unificação e confirmação dessas teses, mediante o julgamento em sede de recurso repetitivo. 

Portanto, temos sim motivos para comemorar e aplaudir esse acórdão, no qual foram fixadas as seguintes teses:

  1. “As regras postas no art. 226 do CPP são de observância obrigatória tanto em sede inquisitorial quanto em juízo, sob pena de invalidade da prova destinada a demonstrar a autoria delitiva, em alinhamento com as normas do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema. 

O reconhecimento fotográfico e/ou pessoal inválido não poderá servir de lastro nem a condenação nem a decisões que exijam menor rigor quanto ao standard probatório, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia ou a pronúncia.

  1. Deverão ser alinhadas pessoas semelhantes ao lado do suspeito para a realização do reconhecimento pessoal. 

Ainda que a regra do inciso II do art. 226 do CPP admita a mitigação da semelhança entre os suspeitos alinhados quando, justificadamente, não puderem ser encontradas pessoas com o mesmo fenótipo, eventual discrepância acentuada entre as pessoas comparadas poderá esvaziar a confiabilidade probatória do reconhecimento feito nessas condições. 

  1. O reconhecimento de pessoas é prova irrepetível, na medida em que um reconhecimento inicialmente falho ou viciado tem o potencial de contaminar a memória do reconhecedor, esvaziando de certeza o procedimento realizado posteriormente com o intuito de demonstrar a autoria delitiva, ainda que o novo procedimento atenda os ditames do art. 226 do CPP. 
  1. Poderá o magistrado se convencer da autoria delitiva a partir do exame de provas ou evidências independentes que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento. 
  1. Mesmo o reconhecimento pessoal válido deve guardar congruência com as demais provas existentes nos autos. 
  1. Desnecessário realizar o procedimento formal de reconhecimento de pessoas, previsto no art. 226 do CPP, quando não se tratar de apontamento de indivíduo desconhecido com base na memória visual de suas características físicas percebidas no momento do crime, mas, sim, de mera identificação de pessoa que o depoente já conhecia anteriormente.”

Para acessar a íntegra do acórdão, clique aqui. 

STJ-TEMA 1.258 – ART. 226 – PROCEDIMENTO OBRIGATÓRIO.pdf

Para acessar o Manual de Procedimento de Reconhecimento Pessoal do CNJ, clique aqui.

CNJ-Manual de Procedimento de Reconhecimento de Pessoas – Res. 484/2022

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