MATERNIDADE NA PRISÃO 

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Quem são as mães (e filhos) invisíveis do CÁRCERE?

Às vésperas do Dia das Mães, retomei a leitura do acórdão que, em 2018, concedeu uma inédita ordem coletiva em habeas corpus para 

substituir a prisão preventiva para domiciliar, de mulheres que eram gestantes, mães de crianças até 12 anos, ou únicas responsáveis pelos cuidados de pessoas com deficiência. 

A decisão, sob a relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, foi o primeiro caso de concessão de ordem em HC coletivo, e estabeleceu no seu dispositivo, em resumo:

  1. a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP 
  1.  de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências 
  1. excetuados os casos de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.
  1. Estendeu a ordem, de ofício, às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observados os requisitos previstos anteriormente. 

Sendo assim, para serem contempladas com o benefício, as presas deveriam estar em prisão preventiva (sem condenação), o crime não poderia ter sido praticado com violência ou grave ameaça, e nem contra algum de seus descendentes. 

Hoje, com a Lei 13.769/2018, (incluindo essas hipóteses de substituição expressamente no art. 318-A, CPP), tudo isso parece muito claro! 

Mas quando do julgamento do HC coletivo, foi um marco de humanidade (para uns), e de impunidade (para outros). 

A lógica era clara: quando o Estado prende uma mulher nessas condições, ele também impacta direta e injustamente seus filhos, que nem parte do processo são.

Além de ser um marco simbólico – o primeiro habeas corpus coletivo da história do STF – a decisão ecoou o princípio da dignidade da pessoa humana e o compromisso com o melhor interesse da criança. 

Quem são as mães (e filhos) invisíveis do CÁRCERE?

Após a decisão neste HC coletivo (julgado em fevereiro de 2018), sobreveio a lei 13.769, explicitando o direito de substituir a preventiva pela prisão domiciliar às mulheres:

  • gestantes ou mães de crianças até 12 anos (ou que cuidem de pessoa com deficiência);
  • presas preventivamente por crime cometido sem grave ameaça ou violência
  • e que não tenham cometido o crime contra seu filho ou dependente. 

Ainda que a legislação tenha escancarado esses direitos às mães e gestantes presas, a aplicação ainda se mostra escassa e desigual.

Negras, pobres, e com baixa escolaridade

Estudos trazidos pelo Ministro Lewandowski mostram que a maioria dessas mulheres são negras, pobres, com baixa escolaridade e em prisão provisória. 

Muitas respondem por crimes não violentos, como o tráfico, quase sempre como ponta da cadeia.

E elas têm em comum o fato de serem as principais cuidadoras de seus filhos. 

E esse cenário ainda ocorre por todo o Brasil, conforme, inclusive, reconheceu o Min. Gilmar Mendes quando, em 

Mesmo com o HC coletivo de 2018, e com a explicitação clara e em bom tom da legislação, a resistência e a seletividade na sua aplicação revela o abismo entre mães com direitos (ou melhor, “dinheiros” sic), e mães totalmente ignoradas pelo sistema. 

A prova desta resistência por parte dos juízes foi destacada recentemente, em janeiro de 2025, quando o Min. Gilmar Mendes concedeu uma ordem de ofício para substituir o cárcere por domiciliar à uma acusada por tráfico.

 “Mesmo após a determinação desta Corte no referido HC coletivo, constata-se uma resistência injustificada dos Tribunais locais na concessão da ordem às mães que preenchem os requisitos legais da prisão domiciliar.”

Em sua decisão, o Min. Gilmar Mendes ainda destacou que 

“A substituição da prisão preventiva pela domiciliar visa salvaguardar os direitos das crianças que podem ser impactadas pela ausência da mãe”.

A situação se demonstrou tão agressora dos direitos fundamentais, que o Ministro Gilmar Mendes ainda determinou o envio de cópia da decisão ao CNJ, para o fim de organizar mutirões carcerários, revisando casos semelhantes e promovendo ações de ressocialização.

A criança também cumpre pena

O acórdão de 2018 e a decisão monocrática de 2025 trouxeram estudos concluindo que a prisão preventiva não afeta apenas a mulher, mas também, e principalmente, os seus filhos (gestados no cárcere, ou “abandonados” em decorrência da prisão). 

Um verdadeiro dominó social, capaz de destruir redes familiares inteiras. 

As crianças que são separadas de suas mães, e não possuem família extensa, são enviadas às instituições estatais, turbinando a sensação de abandono afetivo e emocional. 

Isso afeta diretamente o desenvolvimento psicológico e até mesmo físico dessas crianças, as quais guardam em silêncio um sentimento de abandono (a mãe simplesmente “sumiu” e “me abandonou”).

Já os bebês gestados dentro do cárcere são vulneráveis à doenças como a sífilis, que é transmitida durante a gestação, podendo ocasionar distúrbios cerebrais, ósseos, cegueira e “lábio leporino” (tudo isso está no acórdão do STF). 

Ou seja…

A criança também cumpre pena. 

Essa é uma das conclusões que podemos tirar da leitura atenta do voto do Min. Lewandowski no HC 143.641, quando afirma:

“no caso das mulheres presas, a privação de liberdade e suas nefastas consequências estão sendo estendidas às crianças que portam no ventre e àquelas que geraram. “

O Ministro entendeu que a prisão dessas mulheres configura uma penalização reflexa das crianças, contrariando o princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV, Carta Magna), estabelecendo que a punição não deve ultrapassar a pessoa do condenado. 

Ademais, ressaltou que a Constituição Federal, em seu artigo 227, assegura às crianças o direito à convivência familiar, o que é violado quando suas mães são mantidas em prisão preventiva sem condenação definitiva (mesmo que preenchedoras dos requisitos legais). 

Portanto, a prisão preventiva nessas circunstâncias não apenas penaliza a mãe, mas também impõe um sofrimento indevido aos filhos, que são privados de cuidados maternos essenciais para seu desenvolvimento.

Some-se a isso o risco de institucionalização estatal e de serem submetidas à repugnante revista vexatória quando tiverem a oportunidade de visitar a genitora no cárcere (apenas recentemente “regulamentada” pelo STF). 

Na véspera em que comemoramos o Dia das Mães, nós, mulheres, mães, e Advogadas, devemos refletir sobre qual é o nosso papel na defesa dessas mães (e filhos) invisíveis do CÁRCERE.

ANDREA PASTUCH CARNEIRO DELLA PASQUA

Mãe, Pós-Graduada em Direito Constitucional Administrativo, pós-graduanda em Recursos e Pena, advogada inscrita na OAB/PR 27.151, Conteudista Jurídica da Academia Criminal e advogada sócia-fundadora do Escritório Walter Borges Carneiro & Associados. 

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