03 de novembro de 2025 Edição 053
TESE DEFENSIVA
1. STF – Dever de advertir sobre o direito ao silêncio desde a abordagem policial
Você já teve alguma condenação anulada porque o acusado não foi advertido do direito ao silêncio desde a abordagem policial?
Esse é o ponto central do julgamento em curso no STF, que discute se a advertência sobre o direito ao silêncio deve ser feita desde a abordagem policial — e não apenas no interrogatório formal.
O tema é objeto do Recurso Extraordinário 1.177.984/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.185), e já tem três votos proferidos. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do Min. André Mendonça.
O voto do relator
O relator, Ministro Edson Fachin, votou para reconhecer a nulidade das declarações informais feitas sem prévia advertência sobre o direito ao silêncio. Segundo ele:
“É justamente no momento da detenção ou abordagem policial que a garantia constitucional assume maior relevância.”
Fachin propôs tese de repercussão geral para afirmar que:
- O direito ao silêncio vale desde a abordagem ou prisão, e
- Cabe ao Estado provar que a comunicação foi realizada — preferencialmente por meio de gravação audiovisual.
- Os demais votos
- Min. Flávio Dino acompanhou parcialmente: reconhece que há dever de advertir, mas com ressalvas. Situações como buscas pessoais (art. 244 do CPP), revistas em estádios ou emergências não exigiriam essa formalidade.
- Min. Cristiano Zanin também concordou que declarações informais sem advertência são ilícitas, mas admite exceções em situações de urgência ou impossibilidade.
Caso seja acolhida a tese do relator, teremos um novo parâmetro para atuação da Defesa: declarações obtidas à margem de cientificar sobre o direito ao silêncio serão ilícitas.
Para acessar o voto do relator, clique aqui.
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JULGADOS + QUE IMPORTANTES
2. STJ – Embriaguez e Lesão Corporal – Quando as Penas Precisam ser Somadas
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou um acórdão do TJMG para aplicar o concurso material de crimes, em vez do concurso formal, nas condutas de embriaguez ao volante e lesão corporal culposa.
A decisão tem impacto direto na dosimetria da pena, pois a aplicação do concurso material resulta na soma das penas dos dois delitos, e não apenas na exasperação da pena mais grave.
A distinção
O caso analisado envolvia um motorista que, após dirigir embriagado, avançou uma placa de parada obrigatória e colidiu com outro veículo, causando ferimentos em três ocupantes.
O Tribunal mineiro havia aplicado o concurso formal, sob a lógica de que houve uma única ação (dirigir) que gerou dois crimes.
O relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, reverteu esse entendimento, destacando a diferença entre as duas modalidades de concurso:
- Concurso Formal (Art. 70 do CP): Pressupõe unidade de conduta e pluralidade de resultados (uma ação, vários crimes).
- Concurso Material (Art. 69 do CP): Configura-se pela pluralidade de condutas e pluralidade de resultados (várias ações, vários crimes).
Crimes de Perigo Abstrato e de Resultado
O Ministro explicou que os crimes de embriaguez ao volante (Art. 306 do CTB) e lesão corporal culposa (Art. 303 do CTB) possuem momentos consumativos distintos e tutelam bens jurídicos diversos:
- Embriaguez ao Volante: É um crime de perigo abstrato. Consuma-se no momento em que o agente, após beber, assume a direção do veículo com a capacidade psicomotora alterada, independentemente de ter causado dano. A conduta é assumir a direção.
- Lesão Corporal Culposa: É um crime de resultado. Consuma-se em um momento posterior e autônomo, quando ocorre a lesão na vítima, em decorrência de uma conduta culposa específica (como avançar a preferencial, no caso). A conduta é causar a lesão.
A Conclusão do Julgado
Para o STJ, o motorista, ao ingerir bebida alcoólica e assumir a direção, consumou o delito de embriaguez ao volante (primeira conduta).
Posteriormente, ao avançar o cruzamento sem a devida cautela, consumou o crime de lesão corporal (segunda conduta).
Tratando-se de condutas autônomas praticadas em momentos distintos, a jurisprudência do STJ impõe o concurso material de crimes, com a consequente aplicação cumulativa das penas de ambas as infrações.
3. REPERCUSSÃO GERAL e REPETITIVOS
Tema 1.192 – STJ – Crime de roubo e concurso formal
A TERCEIRA SEÇÃO, por unanimidade, fixou a seguinte tese quanto ao Tema Repetitivo n. 1.192:
O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes (art. 70 do CP).
REsp 1960300/GO, julgado em 08/10/2025.
Clique aqui para acessar o acórdão
ED. 53-TEMA 1.192-STJ-RESP 1960300
Como Aplicar o Direito Quando a Lei já Não é a Norma Vigente?
O crime organizado no Brasil já não se limita a ameaças difusas ou à violência pontual.
Facções e milícias, em franca expansão, estabeleceram domínio sobre territórios inteiros. Impõem regras próprias, cobram por serviços públicos, toques de recolher, desfilam armas de guerra e praticam execuções como forma de controle social.
A intimidação passou a ser política de gestão. Nessas regiões, o Estado não apenas falha — ele é substituído.
A operação de 28 de outubro provocou reações imediatas de setores diversos — muitos deles ideológicos, outros já em sintonia com o calendário eleitoral de 2026.
Mas um ponto é incontornável: houve reação. Em tempos de discursos cuidadosos e gestos calculados, a decisão de agir não é trivial. Autorizar uma ação dessa envergadura é expor-se — política, jurídica e pessoalmente.
O Brasil presencia, diariamente, atos que criam pânico coletivo, paralisam serviços essenciais e submetem populações ao medo como forma de governo.
Mesmo assim, continuam enquadrados sob o prisma dos crimes comuns.
A Lei Antiterrorismo (13.260/2016) exige, para sua incidência, motivação ideológica, política ou religiosa — ignorando a realidade brasileira.
Por isso, ganha força a proposta de criação de um tipo penal autônomo: o uso de métodos terroristas. Não para rotular, mas para descrever com precisão jurídica uma realidade incontornável.
Não se trata de inflar penas, mas de ajustar o Direito Penal à forma de dominação hoje em curso em muitas comunidades. É, no fim, uma questão de nomear o que já é evidente.
O Brasil parece ter alcançado uma linha de ruptura. O ordenamento jurídico é confrontado (diríamos “debochado”) por aqueles que não apenas violam a Constituição, mas substituem-na.
O cerne da discussão já não reside apenas em punir condutas, mas em lidar com quem vive fora do alcance do próprio Estado de Direito.
E diante desse cenário, o Direito Penal é chamado a refletir: é possível manter os mesmos parâmetros quando o poder público deixa de ser o poder soberano?
📎 Para pensar — não para concluir. Estamos abertos para ouvir a sua palavra. Responda esse e-mail com a sua reflexão.
Tenham todos uma ótima semana!
Forte abraço,
Equipe Academia Criminal


