A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Ministério Público (MP) está autorizado a propor o acordo de não persecução penal (ANPP) em ações penais de iniciativa privada, desde que haja omissão ou recusa injustificada por parte do querelante.
Com base nesse entendimento, os ministros rejeitaram o recurso especial interposto por um homem que pretendia invalidar o acordo, alegando preclusão e ausência de legitimidade do MP para apresentar a proposta.
No caso concreto, tratava-se de uma queixa-crime por calúnia e difamação que, inicialmente, não foi recebida pelo juízo. Porém, o tribunal de segunda instância reformou a decisão, determinando a continuidade do processo. Na sequência, foi marcada audiência para homologação do ANPP, o que levou o autor da queixa a apresentar uma reclamação contra o oferecimento do acordo. A reclamação, contudo, foi julgada improcedente.
Ao recorrer ao STJ, o querelante argumentou que a homologação do ANPP após o recebimento da queixa-crime violaria o artigo 28-A, caput, do Código de Processo Penal (CPP). Ele também sustentou que o MP não teria competência para apresentar o acordo em ação penal privada, por não ser parte legítima.
Contudo, segundo o relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, embora o CPP não preveja expressamente a aplicação do ANPP nas ações privadas, é possível sua adoção por analogia. O ministro enfatizou a atual diretriz do sistema penal, que busca soluções mais restaurativas e menos punitivas, privilegiando a reparação do dano e evitando prisões desnecessárias.
De acordo com Paciornik, se o ANPP pode ser aplicado em ações públicas — nas quais o Estado detém a titularidade —, com ainda mais razão ele deve ser admitido nas ações privadas, que conferem ao ofendido maior liberdade de escolha quanto à persecução penal.
O relator frisou, entretanto, que essa liberdade não é absoluta: o querelante não pode se recusar, de forma arbitrária, a considerar o acordo, transformando o processo em instrumento de vingança. Nesses casos, a atuação do MP é supletiva e excepcional, visando garantir uma aplicação justa e eficaz do ANPP, sem que isso implique usurpação da titularidade da ação penal.
Paciornik também destacou que, diferentemente da transação penal — que, segundo a jurisprudência do STJ, só pode ser proposta pelo querelante em ações privadas —, o ANPP possui natureza diversa. Ele exige confissão e baseia-se na suficiência da medida acordada, além de ser orientado por critérios de necessidade da punição.
Quanto ao momento apropriado para formalizar o acordo, o ministro esclareceu que o querelante pode desistir da queixa ou conceder perdão ao réu a qualquer tempo. Por isso, não haveria justificativa lógica para impedir a formalização de um ANPP após o recebimento da queixa.
Em relação ao papel do MP, sua atuação na ação privada se restringe à proteção da ordem jurídica, e ele deve se manifestar na primeira oportunidade diante da inércia do querelante, sob pena de preclusão. No entanto, no caso analisado, o relator concluiu que essa preclusão não ocorreu, pois a persecução penal só se consolidou após o recebimento da queixa. Assim, o momento para manifestação do MP estava corretamente estabelecido, afastando qualquer alegação de preclusão, seja ela temporal ou consumativa.