Afinal, por que foi necessário editar uma súmula para afastar a Prisão de ofício?
Relembre o caso:
Em dezembro de 2024, o STJ editou a Súmula 676:
“Em razão da Lei n. 13.964/2019, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva. “
Mas se a lei já vedava a prisão de ofício, não havia necessidade de uma súmula. Certo? Errado.
Essa é a Súmula 676 aprovada, pela 3ª Seção do STJ na sessão de julgamento do dia 11/12/2024.
Desde 2021, a 3ª Seção do STJ já considerava ilegal a conversão, de ofício (independente de solicitação das partes) da prisão em flagrante para preventiva.
Todavia, até então, 5a e 6a turmas do STJ ainda divergiam a esse respeito.
Analisemos, rapidamente, dois precedentes de cada uma das turmas, decididos após o pacote anticrime.
No HC 590.039, da 5a Turma, julgado em outubro de 2020, concedendo ordem de ofício “para declarar a nulidade da conversão da prisão em flagrante em preventiva, sem prévio requerimento”.
E agora o HC 583.995, da 6a Turma, julgado em setembro de 2020, ocasião em que, por maioria, o Colegiado manteve a prisão preventiva, a despeito da sustentação por parte da defesa de tratar-se de conversão de ofício.
Aliás, no voto divergente, do Min. Sebastião Reis, ficou clara tratar-se de hipótese de conversão oficiosa e de sua ilegalidade diante do previsto nos artigos 3º-A e 311, do CPP, incluídos pelo pacote anticrime.
Como se sabe, o pacote anticrime alterou o art. 311, do CPP, e retirou a palavra “de ofício” ao tratar da decretação da prisão preventiva pelo juiz.
Era assim: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”
Ficou assim: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”
Dessa forma, não haveria necessidade de uma súmula para “explicitar explicitamente o que a lei já estava explicitando”🙄.
Vamos mais longe: a própria Constituição Federal (acompanhada de uma aula da “pirâmide de Kelsen”), já seria suficiente para eliminar de uma vez por todas as prisões de ofício do sistema brasileiro.
Ora! Se o próprio art. 129, I, determina que o MP é o titular da ação penal pública, conclui-se pela adoção de um sistema acusatório, no qual acusação e órgão julgador têm funções inconfundíveis e constitucionalmente outorgadas.
A despeito do art. 129, I, CF, do Pacote Anticrime, e do entendimento firmado em 2021, a prisão de ofício persistia no Brasil, inclusive fundamentada pelo próprio STJ, no RHC 145.225, da 6a turma.
Neste julgado, de março de 2022, a 6ª Turma do STJ entendeu que não configura atuação de ofício pelo magistrado se ele escolher uma medida cautelar mais grave do que a requerida pelo MP, pela autoridade policial ou pelo ofendido.
Na oportunidade, o Min. Sebastião Reis deixou claro seu entendimento:
“Tendo o dono da ação penal requerido a imposição de cautelares que não a prisão, a meu ver, não pode um juiz ir além do pleiteado e impor ao investigado/réu a cautelar mais gravosa de todas.”
Ou seja: mesmo com o Pacote Anticrime em vigor, mesmo com a uniformização da jurisprudência exarada pela 3a Seção em 2021, ainda existiam resquícios de sistema inquisitorial, mediante imposição de prisão preventiva, a despeito da solicitação do Ministério Público, pugnando por medidas cautelares diversas da prisão.
Neste aspecto, trazemos à colação a certeira e bem humorada conclusão do Professor Doutor Francisco Monteiro Rocha Filho, para quem:
“Se foi preciso editar uma súmula, é porque muita gente precisou discutir aquela questão.”
De fato, e de direito, se não houvesse discussões a respeito de norma tão clara (estamos falando especificamente da “nova” redação do art. 311, CPP), não haveria necessidade de súmula.
Acesse a íntegra dos acórdãos analisados aqui.
STJ-HC-590039-2020-10-29-nulidade da prisão convertida de ofício-receptação .pdf
STJRHC-145225-2022-03-22-VIOLÊNCIA CONTRA MULHER-pedido do MP para outras medidas cautelares.pdf