27 de outubro de 2025 Edição 052
“Abuso do Poder Defensivo”, Destituição de Advogados e Liberdade para Escolher seu Defensor
Como criminalistas, nossa reflexão sobre o Estado Democrático de Direito deve ser rotineira.
Tendo isso em mente, torna-se necessário destacarmos um fato que abalou a advocacia entre os dias 09 e 10 de outubro: a decisão de um magistrado destituindo unilateralmente a Defesa de dois réus.
Estamos falando sobre a decisão do Min. Alexandre de Moraes que destituiu os advogados de Defesa dos réus Filipe Garcia Martins Pereira e Marcelo Costa Câmara, na ação penal AP 2693 do STF
(Parêntesis imprescindível – Sim, estamos falando de uma das ações “penais/políticas” em trâmite no STF; no entanto, limitar-nos-emos a tratar das questões de ordem prática e afetas à advocacia criminal, vale dizer, apartidárias).
Na decisão proferida em 9 de outubro de 2025, o relator entendeu que os advogados agiram com “abuso do direito de defesa” e “clara manobra procrastinatória”, configurando litigância de má-fé.
A decisão determinou a destituição dos advogados constituídos e o envio imediato dos autos à Defensoria Pública da União (DPU) para a apresentação das alegações finais.
O Contraponto do Advogado Constituído:
Ao tomar conhecimento a respeito de sua desconstituição, o advogado Jeffrey Chiquini manifestou-se em sua rede social, evidenciando, primeiramente, que não houve perda de prazo para apresentar alegações finais (como estava sendo noticiado pela imprensa).
O criminalista deixou claro que a PGR, por ocasião de suas alegações finais, trouxe novos documentos aos autos.
Isso culminou com o protocolo de uma petição pela Defesa, antes do término do prazo, pugnando a suspensão do prazo das alegações finais, ou então, que fosse concedido mais prazo, diante dos novos documentos.
Mas o Ministro relator entendeu que esta postura refletia “abuso do direito de defesa, com clara manobra procrastinatória”, acabando por destituir os causídicos e intimar a DPU para apresentar as alegações finais dos acusados.
Para tanto, citou um precedente de 1956, verbis:
A consequência do abuso do direito de defesa, com clara manobra procrastinatória, acarreta a destituição dos advogados constituídos, conforme jurisprudência pacífica do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 33842, Rel. Min. EDGARD COSTA, Tribunal Pleno, DJ de 25/4/1956) e do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (AgRg no RMS n. 74.055/SP, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, DJEN de 28/4/2025; RMS n. 52.007/PR, Rel. Min. JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe de 12/12/2018).
A Força da Confiança
O réu Filipe Martins manifestou-se mediante um pedido escrito de próprio punho, declarando que “não autoriza, não solicita e não consente que a DPU ou qualquer defensor dativo o represente”.
Reafirmou sua confiança em seus advogados constituídos, Jeffrey Chiquini da Costa e Ricardo Scheiffer Fernandes.
O réu classificou a destituição, feita sem sua oitiva e prévio contraditório, como
“abusiva e viola frontalmente meus direitos inalienáveis, em especial o “direito de escolher livremente o defensor de minha confiança, garantia elementar em um regime democrático e amplamente reconhecida pela jurisprudência do STF e do STJ.”
Ele ainda ressaltou que não houve abandono de causa, mas sim “atuação técnica legítima”.
A Tensão e o Recuo: A Vitória da Defesa
O episódio gerou forte reação na comunidade jurídica, culminando na intervenção da OAB, na pessoa do Presidente da instituição, a qual repudiou a arbitrariedade enfrentada pela Defesa.
Em uma nova decisão, assinada em 10 de outubro de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes suspendeu os efeitos da decisão de destituição.
Ele concedeu, então, um prazo de 24 horas para que os advogados constituídos apresentassem as alegações finais.
Posicionamento da Academia Criminal
Embora os efeitos da decisão tenham sido posteriormente “suspensos” pelo próprio relator (diante da forte reação da Defesa e da comunidade jurídica), o debate gerado é quase incontornável: o juiz pode escolher quem defende o réu, quando este tem advogado de sua confiança regularmente constituído?
A resposta da nossa Carta Magna é um evidente NÃO.
O direito de escolha do defensor de confiança não é uma cortesia processual, mas sim um pilar do Princípio da Ampla Defesa (Art. 5º, LV, da CF/88).
A destituição do advogado constituído só é admitida em casos extremos de abandono do processo (Art. 265 do CPP), o que, de fato e evidentemente não ocorreu nos autos.
Ao contrário!
A característica diligente e atenta da Defesa pleiteou a extensão do prazo diante dos novos documentos juntados pela acusação, tudo visando o efetivo contraditório e ampla defesa (corolários do nosso devido processo legal).
Embora a decisão que destituiu os causídicos tenha sido substituída por outra, que suspendeu seus efeitos e abriu prazo de 24 h para alegações finais, a existência deste precedente causa um risco imensurável!
Em democracias sérias, não há que se falar em “abuso do poder defensivo” no processo penal.
“Uma Defesa eficaz, efetiva, faz parte do exercício democrático dentro de um Estado Democrático de Direito.” (vídeo do advogado de Filipe Martins).
Este episódio nos lembra que a soberania do povo sobre as instituições só se mantém firme quando as prerrogativas da Defesa são inegociáveis.
Um Poder Judiciário que tenta escolher seu “adversário processual” é um Poder que se afasta do papel de guardião das garantias constitucionais.
Acesse aqui:
A decisão destituindo os advogados
A manifestação do advogado de defesa (vídeo extraído do instagram – gravação de tela)
A manifestação do réu (pedido de próprio punho – site CNN)
TESE DEFENSIVA
1. Cumprimento de mandado de prisão NÃO autoriza busca domiciliar
O cumprimento de mandado de prisão não autoriza, por si só, a realização de busca domiciliar.
Essa foi a posição reafirmada pela 6ª Turma do STJ, ao anular provas obtidas contra um homem acusado de tráfico de drogas.
No caso, policiais civis receberam denúncia anônima, foram até o endereço indicado e, ao prender o suspeito, entraram em sua casa sem mandado de busca e apreensão, encontrando entorpecentes.
Para o relator, ministro Rogerio Schietti, a diligência violou o domicílio e feriu garantias constitucionais previstas no art. 5º, XI, da Constituição Federal, que protege a casa como asilo inviolável do indivíduo.
Segundo o ministro, mesmo quando há mandado de prisão válido, os agentes não podem transformar o cumprimento da ordem em uma busca informal.
Cada medida tem finalidade própria: prender é capturar o indivíduo; buscar é revistar o ambiente, o que exige autorização judicial específica.
A decisão também reforça que o chamado “consentimento do morador” não se presume — ele precisa ser livre, inequívoco e comprovado.
Situações de flagrante ou tensão não bastam para validar a entrada.
Em resumo:
➡ ️ Cumprir mandado de prisão não autoriza busca.
➡ ️ A violação de domicílio fere diretamente o devido processo legal.
➡ ️ As provas daí decorrentes são ilícitas.
HC 946.738 – 6ª Turma do STJ
Rel. Min. Rogerio Schietti
Acesse a íntegra do acórdão aqui
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JULGADOS + QUE IMPORTANTES
2. STJ – Citar pedido da polícia e parecer do MP não basta para autorizar busca domiciliar
O STJ concedeu ordem em habeas corpus após reconhecer a ilegalidade de mandado de busca e apreensão domiciliar.
No caso, a 6ª Turma anulou um mandado contra suspeitos de tráfico de drogas porque o juiz não apresentou fundamentação própria – apenas mencionou o pedido e o parecer favorável, sem justificar a medida invasiva.
O relator originário do HC, ministro Antonio Saldanha Palheiro, entendeu pela existência de fundamentação suficiente.
Mas prevaleceu o voto divergente do Min. Rogerio Schietti, para quem
“a decisão de deferimento da busca e apreensão domiciliar se limita a citar a existência da solicitação da medida e de parecer favorável do Ministério Público.”
O voto divergente evidenciou que seu posicionamento respeita a jurisprudência do STJ sobre a motivação por referência (per relationem): é válida, desde que não seja genérica ou omissa.
Mais um exemplo de ordem concedida por falta de fundamentação.
Para acessar a íntegra do acórdão, clique aqui.
REPERCUSSÃO GERAL e REPETITIVOS
3. Tema 1.269 – STJ – ECA – Interrogatório do adolescente ao final da instrução
A TERCEIRA SEÇÃO, por unanimidade, fixou a seguinte tese quanto ao Tema Repetitivo n. 1.269:
“No rito especial que visa apurar a prática de ato infracional, além da audiência de apresentação do adolescente prevista no art. 184 do ECA, aplica-se subsidiariamente o art. 400 do CPP, de modo que, em acréscimo, é preciso garantir ao adolescente o interrogatório ao final da instrução.
A inobservância desse procedimento implicará nulidade se o prejuízo à autodefesa for informado pela parte na primeira oportunidade que tiver para se manifestar nos autos, sob pena de preclusão.
O entendimento é aplicável aos feitos com instrução encerrada após 3/3/2016″.
REsp nº 2088626, julgado em 08/10/2025.
O acórdão não foi publicado.


