Nesta quinta-feira (3), o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou parcialmente o plano apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro para a redução da letalidade policial, no contexto da ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. A Corte determinou que o estado adote novas medidas, entre elas a elaboração de um plano para retomada de territórios dominados por facções criminosas e a instauração, pela Polícia Federal, de inquérito para investigar crimes com alcance interestadual e internacional, bem como violações de direitos humanos.
O julgamento teve início em fevereiro e foi interrompido após o voto do relator, ministro Edson Fachin, a pedido do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que os ministros pudessem buscar um consenso diante da complexidade do tema.
Voto consensual
Na retomada do julgamento, Fachin apresentou um novo voto, construído a partir de debates internos entre os ministros, com o objetivo de consolidar uma posição unificada ou majoritária. O relator destacou que o novo texto demonstra a preocupação da Corte com a segurança pública e com as condições de atuação das forças policiais no estado.
Segundo Fachin, a construção coletiva do voto representa uma solução segura para o encerramento da ação e demonstra confiança na atuação do governo estadual no cumprimento das diretrizes impostas pelo STF.
Ao encerrar a sessão, Barroso ressaltou que esta foi a primeira decisão colegiada do STF obtida por meio de consenso entre todos os ministros. Ele também expressou solidariedade às famílias de vítimas da violência policial e aos agentes de segurança mortos em confrontos. “O STF tem compromisso com os direitos humanos e com a segurança de todos, inclusive das comunidades mais pobres, que devem ter acesso aos mesmos direitos das demais regiões”, afirmou.
Barroso também sublinhou que a retomada das áreas dominadas pelo crime deve ir além do controle territorial, abrangendo serviços públicos essenciais, como saúde, educação, cultura, esporte e inclusão social.
Reconhecimento da situação estrutural
O voto reconhece que a letalidade policial no estado está relacionada a um problema estrutural, com omissões por parte do poder público e violações de direitos por facções que limitam a circulação da população e até das forças de segurança.
Fachin lembrou que, desde o início da ação, há mais de cinco anos, o Estado do Rio de Janeiro tem demonstrado avanços, como a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais, a criação de protocolos de comunicação de operações e a obrigação de notificar o Ministério Público sobre ações policiais, conforme orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília.
Plano de retomada e atuação da PF
A decisão determina que o Estado e os municípios elaborem um plano de reocupação dos territórios dominados pelo crime, com presença permanente do Estado e políticas públicas voltadas à juventude e aos serviços essenciais.
A PF deverá instaurar inquérito específico, com equipe dedicada, para investigar grupos criminosos violentos atuantes no Rio, incluindo milícias, tráfico de drogas, armas e lavagem de dinheiro, com foco também em identificar conexões com agentes públicos. A Receita Federal, o COAF e a Secretaria da Fazenda estadual deverão colaborar com as investigações.
Mortes em ações policiais e monitoramento
O STF estabeleceu que, em casos de morte de civis ou agentes decorrentes de operações policiais, o Ministério Público deverá ser notificado imediatamente para avaliar se deve enviar um promotor ao local.
Foi prorrogado de 120 para 180 dias o prazo para o Estado comprovar a instalação de câmeras e sistemas de monitoramento em viaturas e fardas da Polícia Militar e da Polícia Civil — sendo que, neste último caso, o uso será restrito a patrulhamentos, policiamento ostensivo e operações planejadas.
Uso da força e saúde mental
A decisão também reforça que as forças de segurança devem seguir os critérios da Lei 13.060/2014, que regula o uso proporcional de força e de instrumentos de menor potencial ofensivo. A atuação das polícias deverá ser planejada e, em situações emergenciais, as justificativas poderão ser analisadas posteriormente pelo Judiciário e órgãos de controle.
Além disso, o governo estadual terá 180 dias para implementar um programa de atenção à saúde mental dos policiais, com atendimento psicossocial obrigatório após envolvimento em situações críticas. Também deverá haver critérios para avaliar se o uso excessivo da força justifica o afastamento temporário do agente.
Acompanhamento e fiscalização
O STF determinou a criação de um grupo de trabalho para monitorar o cumprimento da decisão, coordenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Relatórios semestrais deverão ser divulgados, contendo dados sobre o controle da atividade policial, discriminando a atuação das unidades envolvidas.
Origem da ação
A ADPF foi ajuizada pelo PSB em 2019, apontando omissão estrutural do poder público frente às graves violações de direitos humanos no estado. O partido citou o não cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Favela Nova Brasília, que obrigou o Estado brasileiro a adotar um plano efetivo de redução da letalidade policial.
A sessão contou com a presença de autoridades como a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; o governador Cláudio Castro; o prefeito Eduardo Paes; representantes de organizações como Mães de Manguinhos, Mães de Acari e Redes de Comunidades contra a Violência, além de parlamentares.